quinta-feira, 12 de maio de 2016

Os palavrões enquanto lavagem da alma

"Essa palavra não se diz!"
Deve ser das primeiras frases que ouvimos dizer dos nossos pais assim que começamos a fazer amigos.
Na verdade, quem não diz palavrões não é fixe.
Na verdade pura, quem não diz palavrões é mas é doente!
É doente, não no sentido perjorativo da palavra, mas doente no sentido em que guarda para si toda a carga emocional que uma determinada situação lhe causa, por não se libertar da mesma dizendo um palavrão.
Os palavrões devem ser as únicas palavras de qualquer língua que não sucumbem à política, aos acordos ortográficos, ao estatuto social. Todos conhecemos palavrões e todos sabemos qual palavrão utilizar em cada momento, ainda que possamos não o dizer em alto e bom som.
Digamos que os palavrões têm de facto a sua vertente psicológica. Têm o dom de desarmar alguém e têm o dom de fazer com que a pessoa que nos ouve nos veja como mal educados e ainda assim nos sentimos bem, porque o palavrão foi dito, como se costume dizer na hora H.
Os palavrões acompanham-nos pela vida fora e nunca nos abandonam, pois estarão sempre lá nas horas de aperto prontos a acompanhar-nos no discurso. Quanto muito evoluem, mas apenas em variantes da palavra em si, não em significado como por exemplo "coninha". De facto, esta expressão não significa que estamos perante uma vagina de tamanho reduzido, mas sim perante uma pessoa que se amedrontou perante uma determinada situação.
Como se viu, num momento que nada mais há a dizer do que "coninha" e em determinado tom, dizer uma frase tão extensa fará com que todo o significado e intenção se percam.
Em anos pródigos de faculdade, deparei-me com este conteúdo pedagógico de palavrões.
Com, por exemplo, a palavra "Caralho".

Confesso que sempre foi uma palavra que ouvi desde a infância até agora, não apenas em seio familiar por ter família nortenha, mas também no seio de amigos, nas ruas e afins. E confesso ainda que é muito raro a palavra ser utilizada para definir o órgão sexual masculino, é antes utilizada com frequência para demonstrar descontentamento, surpresa, espanto e afins. O mesmo se diga com a palavra "merda" em que é muito raro ser utilizada para se reportar às fezes. É frequentemente utilizada para demonstrar descontentamento em conjugação com outras palavras - "Olha para esta merda!".

Em sede de uma discussão filosófica e no meio da conversa, saiu-me o palavrão "caralho".
Ao que imediatamente se seguiu uma expressão de repulsa por parte de uma colega de faculdade que me disse que odiava aquela palavra pois a mesma era uma palavra muito feia.
Questionada sobre qual a razão para dizer que aquela palavra era feia, disse-me a tal colega que aquela palavra a fazia lembrar do órgão sexual masculino e que quando a palavra era dita, ela chegava mesmo a visualizar o membro em si.
Ora, aqui está um claro exemplo de uma pessoa manifestamente alheia à utilização de palavrões e que como tal desconhece toda a panóplia de significados dai decorrentes.
Portanto, temos alguém que cada vez que se diz aquele palavrão, o imagina mentalmente. Obviamente que o repeti várias vezes, tendo questionado a seguir: "Quer dizer que tendo dito 10 vezes caralho que vais imaginar 10 pénis? Tipo coroa na cabeça?"
Atento o "Pois!" de resposta, seguiu-e um belo Foda-se.
Ora, desta vez é que rebentou a bolha!
Parece que esta expressão é ainda pior do que a outra, pois se com a outra imagina o membro sexual masculino, com esta imagina todo o acto em si.
Perguntam e bem...Qual acto?

De facto, a palavra Foda-se não significa qualquer acto. Nem tão pouco é um verbo que demonstre alguma espécie de movimento que possa ser praticado. Quanto muito, poderia chegar-se ao cúmulo de se criar todo um novo verbo à semelhança desta palavra, ou seja, o fodacer. E portanto, seria qualquer coisa do género como eu fodasso, tu fodassas e ele fodassa. O que sinceramente, se fosse possível, já teria sido inventado.
A este propósito releva o entendimento do Ilustre escritor Miguel Esteves Cardoso por também ele considerar que a palavra "foder" não implica na sua generalidade qualquer acto de conotação sexual, mas sim uma mera constatação de facto.
Atualmente, note-se, esta palavra assumiu o mesmo significado e conotação de um ponto final frásico.

Serei eu mais ou menos do que alguém por dizer palavrões? Não. Quanto muito serei mais erudito!
Serei eu mais ou menos do que alguém por não os dizer? Não. Quanto muito serei mais hipócrita por julgar de forma tão vil todos aqueles que dizem os palavrões que tanto eu gostaria de dizer.

Os palavrões são o que nos salva das evoluções linguísticas. Pois se por um lado, quando se diz "glande", temos pessoas a acenar com a cabeça mas que desconhecem do que se trata, por outro, quando se diz ponta da gaita, não há enganos!
São ainda desbloqueadores de sentimentos, pois se uma pessoa diz que está aborrecido, indisposto ou desgostoso, não se sabe bem o que é que a pessoa estará a sentir, ao contrário de alguém que diga "estou fodido!" em que é óbvio o seu estado de alma.

Já os disse em maior quantidade, mas a sociedade tem o dom de nos reprimir e de achar que a nossa posição, não nos permite continuar a ser pessoas saudáveis.
Agora digo-os no conforto da minha casa, no meio dos meus Colegas, no meio dos meus amigos, no meio da minha família, que são os núcleos onde realmente importa sermos nós próprios e que se no princípio se escandalizavam e estranhavam, agora, com certeza, que já entranharam!

O mesmo digo a todos os que possam eventualmente ler este testemunho, que alguma vez se sentiram vexados por dizerem palavrões, que mandem os vossos "agressores linguísticos" à merda!
Repita-se, mandem-nos à merda de forma respeitosa, ou seja, não os mandem enfiar-se nas fezes alheias que isso, meus senhores, é deveras indelicado e deselegante!